Não. Você não precisa descobrir quem você é.
Você provavelmente já ouviu alguém dizer que gostaria de se conhecer, saber quem é e, muito possivelmente, já deve ter dito isso para si mesmo. Mas sinto lhe informar que você não saberá. Não chegará um dia em que você se dará conta de quem é porque você não é, você está sempre sendo.
Somos seres mutáveis, estamos constantemente em transformação, mesmo quando em nossa zona de conforto, achamos que estamos intocáveis, existem mudanças inerentes a vida humana. Transformações internas as quais escorrem das nossas mãos muitas vezes.
A mudança adaptativa
Se olharmos para evolução da espécie humana, veremos diversas formas de mudanças que tiveram como principal objetivo se adaptar. Embora vivamos milhares de anos a frente, ainda precisamos nos adaptar a certas mudanças em nossa vida. A transição para a vida adulta, a mudança de carreira, a mudança de país ou cidade, o início da vida como pais, a perda dos nossos pais, o início da vida madura, etc. Todas as transições, sejam estas grandes ou pequenas, requerem adaptações, o que implica inevitavelmente em mudanças. E, embora algumas pessoas sejam mais resistentes a esse processo, por receio do que o novo pode apresentar, a mudança adaptativa faz parte de quem vive.
Se você está vivendo, você está mudando inevitavelmente. Você não consegue interromper as mutações das células do seu corpo, enquanto se vive, se transforma.
O processo de auto conhecimento
Essa procura constante por uma resposta, por uma caixa para entrarmos, por uma identidade para chamar de sua pode ser muito frustrante. O que as pessoas buscam é um sentimento de conexão consigo mesmo, um sentimento de pertencimento e por isso procuram por títulos quando, na realidade, uma boa dose de auto conhecimento e reconhecimento sobre si mesmo, seria suficiente.
Entenda, o processo de autoconhecimento é e sempre será constante, uma vez que estamos sempre mudando, nos adaptando e evoluindo. Quando falo em se auto conhecer, falo de reconhecer seus sentimentos, emoções e padrões de comportamento. Falo em perceber quando você passar do seu próprio limite e aprender a hora de parar e a hora de continuar. Falo em aprender a escutar seu próprio corpo e suas próprias emoções, não apenas as dos outros.
Sua reação não é sua emoção
Aprender a diferenciar uma emoção de uma reação também é importante. Imagine que você tem que manter uma bola afundada em uma piscina, essa bola resiste e você tem que mantê-la pressionada. No entanto, quando ela escapar da sua mão, pulará para fora da água com toda a força. Assim é uma reação quando suprimimos uma emoção.
A emoção sendo a bola, quando não elaborada e trabalhada, sendo apenas suprimida, pode aparecer em formato de reação assim que nos distrairmos.
Quando nós reagimos a algo de maneira inesperada, podemos nos sentir fora de controle e esse sentimento de impotência pode nos gerar mais frustração e insatisfação. Logo queremos suprimir essa emoção desagradável também, afundando mais uma bola em nossa piscina. Esse ciclo pode se repetir por várias vezes, e tende a aparecer em diversas áreas em nossas vidas.
O primeiro passo seria perceber uma reação e dar um passo para trás para tentar identificar que tipo de emoção está atrelada á este comportamento reativo. A reação pode ser relacionada a algo simples como você não ter dormido horas suficientes na noite anterior, estar com fome, estar desconfortável com determinada situação, etc. Com o tempo e com muita prática, o caminho pode se tornar inverso, e antes mesmo de reagirmos, é possível reconhecer uma emoção e lidar com ela, sem necessariamente suprimi-la.
Não confunda o que você está sentindo com quem você é
Na clínica constantemente uso o termo "acolher sua emoção". Seria como sentar ao lado de um sentimento no sofá. Você pode reconhecê-lo externamente a você, sabendo que ele é como uma visita que vem por um motivo, mas vai embora em algum momento. Quando nós adquirimos a habilidade de olhar para uma emoção em perspectiva, como estando conosco, mas não sendo parte de nós como um membro, fica mais fácil encará-la, dar a ela um novo significado e deixa-la ir. No entanto, enquanto a encararmos como parte de nós, fica difícil nos diferenciar e então deixá-la ir.
"Sentimentos são como nuvens, elas vem e vão. Existem dias, semanas ou até meses em que parece que não há mais sol, mas acredite, ele não foi a lugar nenhum, está bem ali atrás"
Gosto dessa analogia dos sentimentos como sendo nuvens pois sempre me lembro que, mesmo em dias nublados ou chuvosos, o sol permanece sempre ali. Nós somos o céu todo, nem sempre temos dias ensolarados, mas nossa essência como sendo céu, algo maior do que as próprias nuvens e o sol, sempre estará lá. Quando entendemos que somos maiores do que aquilo que nos acontece, e do que aquilo que pensamos ou sentimos, podemos nos permitir passar por dias difíceis com mais auto compaixão e sensibilidade.
Identifique suas emoções, mas também suas habilidades
Além de trabalhar a auto observação de seus sentimentos é importante reconhecer quais são suas habilidades e facilidades com o objetivo de usá-las a seu favor. Quando digo que não precisamos saber quem nós somos, pois nós estamos sempre sendo, não tenho como intuito desconsiderar aspectos que constituem cada indivíduo como único. Eu particularmente discordo da ideia de que apenas você pode fazer algo na mundo, mas eu acredito que todos nós temos valores e características que, quando identificadas e utilizadas de maneira eficaz, podem acrescentar muito em um cenário maior.
No livro "Garra" da autora Angela Duckworth, ela defende que ninguém nasce com um talento inato, mas que a prática indiscriminada de uma habilidade pre-existente, pode resultar em trabalhos excelentes.
O primeiro passo para alcançar a excelência em algo, é a identificação de suas habilidades e forças que te constituem como pessoa e trabalhá-las. Na clínica eu costumo aplicar um instrumento de identificação de forças auxiliando o paciente a utilizar daquilo que tem como habilidade ao seu favor, e melhorar aspectos mais enfraquecidos. São vinte e quatro habilidades nomeadas dentre elas: honestidade, apreciação, curiosidade, gentileza, amor, trabalho em equipe, etc. Quando sabemos os ingredientes que temos em casa, podemos elaborar uma receita e produzir algo. Da mesma forma, quando sabemos quais habilidades temos, é possível planejar e utilizá-las de maneira eficaz e produtiva.
Se não preciso mais saber quem eu sou, o que preciso saber?
Como mencionei, quando entendemos que estamos em constante evolução e mudança, sempre teremos com o que nos ocupar: nos auto observando e fazendo uma avaliação de tempos em tempos sobre nossa motivação e objetivos.
Auto observação de nossas emoções, sentimentos, reações e pensamentos para evitarmos entrarmos no ciclo da supressão descrito acima com a parábola da bola na piscina. E avaliação sobre o que nos motiva e para onde estamos indo pois, se nos transformamos de alguma forma, talvez valha a pena repensar o destino e o caminho que estamos trilhando.
Sugiro que você mapeie seus comportamentos reativos mais frequentes e os anote. Após isso, tente identificar os possíveis gatilhos ou emoções associados á estes comportamentos. Na próxima oportunidade, tente reconhecer a emoção ou gatilho antes mesmo de reagir e aja sobre eles, ou seja, se é fome, coma algo; sono, durma, etc. O objetivo desse exercício é promover a conscientização e não a culpabilização, portanto seja gentil consigo nesse processo.
Uma vez que você está identificando coias que estão dando errado, seja gentil com você mesmo nesse processo. Não torne as coisas ainda piores com sua autocrítica.