Dopamina: motivação, prazer e vícios
Nesse post você entenderá o que esse neuro modulador tem a nos dizer sobre o quão motivados e envolvidos estamos em determinada atividade, assim como, o quão propensos nós estamos a repetir determinado comportamento e potencialmente desenvolver um vício.
O que é a Dopamina e qual seu papel no cérebro humano?
Antes de iniciarmos a discussão sobre Dopamina, gostaria de brevemente explicar para que servem os neurotransmissores (NT) no cérebro humano. Os NT’s são como mensageiros que se comunicam constantemente via sinapses em todo o córtex (vulgo cérebro) . As sinapses por sua vez, ocorrem simultaneamente e de maneira constante, fazendo conexões entre um neurônio e outro nos permitindo fazer das mais básicas (como mexer as pernas para caminhar) às mais complexas atividades (como pensar em quais palavras usar em determinado idioma). Sim, o cérebro humano é fascinante, e esse foi um dos motivos pelos quais eu me interessei por neurociência e comportamento humano. Em suma, NT’s são como mensageiros, que transmitem um sinal de neurônio à neurônio para gerar no final o comportamento desejado.
A dopamina pode ser chamada de neurotransmissor, mas na realidade, além de transmitir informações para outros neurotransmissores, ela atua mais como um neuro modulador. Como neuro modulador, é possível transmitir uma mensagem para diferentes neurotransmissores de maneira simultânea, o que não ocorre com outros neurotransmissores ou moduladores. Nesse sentido, a Dopamina pode ser considerada como um potente responsável pela formação e manutenção dos comportamentos desejáveis e indesejáveis (como vícios por exemplo).
A Dopamina é responsável pela motivação, guia, prazer e percepção do tempo. A quantidade de dopamina disponível no momento em que experienciamos algo, determina o quão motivados, animados e o quanto conseguimos continuar em um processo apesar dos desconfortos.
Dopamina é uma moeda e sua via mapeia prazer, sucesso e te diz se você está fazendo bem ou não algo” — Dr. Andrew Huberman
A forma em que você experimenta e vivencia determinada situação e o quão motivado você está sobre algo, está diretamente relacionado ao quanto de dopamina está disponível no momento em que você experimenta determinada situação. Isso acontece pois a dopamina não está apenas relacionada a motivação, mas também ao prazer. Dito isso, fica claro que a Dopamina é importante não apenas para iniciar algo, mas também pode determinar o quão consistente você pode ser com relação ao que iniciou. Da mesma forma, quão motivado e o quanto de prazer você terá no futuro está diretamente relacionado ao quanto você previamente experienciou no passado. É criado portanto, um sistema de motivação e prazer que é constantemente alimentado.
Se você por exemplo se encontra motivado a iniciar um programa de corrida, pois se inspirou em um amigo que correu uma maratona recentemente, o quantidade de dopamina disponível enquanto voce planejou, antecipou e de fato começou a treinar, pode ser determinante na sua habilidade de persistir ou desistir no futuro. Além disso, o quão prazeroso a corrida foi para você também pode determinar sua persistência ou desistência.
Planejar x vivenciar
Quando você experiência algo que desejou e planejou muito, o nível de dopamina vai abaixo da linha de base assim que o que planejou ocorre. Ou seja, você libera mais dopamina enquanto planeja algo, do que quando algo realmente acontece. Quando você está planejando uma viagem, por exemplo, todas as vezes em que você pesquisa as acomodações, passeios turísticos e passagens, uma dose de dopamina é liberada, dando a sensação de prazer e motivação . No entanto, quando você de fato está na viagem em que você planejou por tanto tempo, seu nível de satisfação e prazer pode ficar abaixo do esperado, e isso é tido como o resultado de uma baixa liberação de dopamina.
Isso ocorre pois para manter a espécie humana, era preciso de motivação para buscar mais. Caso contrario, a espécie humana se contentaria com uma conquista e não iria mais atras de nada mais, colocando-se em risco. Seria como se ao caçar o alimento para aquele dia e se alimentar, o ser humano nāo fosse mais motivado a buscar mais alimento para o dia seguinte. Se de fato nāo houvesse motivação, a espécie humana teria perecido.
Da mesma forma, quando você continuamente engaja em alguma atividade que libera dopamina, sua linha de base também sobe e fica cada vez mais difícil atingir o prazer novamente. Seria como se seu cérebro ficasse resistente a determinada liberação de dopamina, fazendo com que a mesma atividade que em algum momento se apresentava de maneira muito prazerosa, perdesse seu poder aos poucos. Podemos ver isso claramente quando encontramos uma música que nos dá o maior ânimo para nos exercitarmos e, depois de ouvi-la por diversas vezes, nāo temos o mesmo “boost” de energia que antes. O que basicamente pode ter ocorrido é que o seu cérebro se acostumou com a liberação de dopamina sempre que você engajava naquele comportamento. Veja bem, a música é a mesma, o comportamento (se exercitar) é o mesmo, mas o seu cérebro se modificou.
Prazer, dor e Dopamina
O sistema de prazer e dor estão realocados no mesmo local no cérebro e funcionam como um sistema de balanço. Isso explica como os vícios podem ser tāo desafiadores para superar, pois além do prazer que uma droga por exemplo causa no indivíduo, há a “dor” — da perda, do prejuízo e do arrependimento. Tanto o prazer, quanto a dor, trabalham de maneira sintonizada mantendo o comportamento ativo e recompensado por meio da liberação dopaminérgica.
Esse sistema é determinado pelo o quanto há de dopamina disponível o quanto há para ser liberada enquanto experienciamos algo. Se você faz algo que aumenta dopamina drasticamente, o nível de prazer cai abruptamente também pois não há dopamina o suficiente para ser liberada depois. Isso pode ser observado de maneira muito clara em usuários de cocaína que tem seu pico rapidamente elevado e sua baixa se apresenta de forma drástica fazendo com que o indivíduo busque por mais droga subsequentemente. Ou seja, após o momento de “desprazer” e dor, o indivíduo tende a buscar por mais prazer na tentativa de reabastecer a dopamina “perdida”.
A busca incansável pelo prazer e pela evitação da dor, te leva a sentir mais dor. — Anna Lembke
Ao se expor de maneira repetida a atividades que disparam a liberação dopaminérgica, os níveis de dopamina podem baixar de uma maneira imperceptível, até que atingimos um ponto em que nada mais dispara prazer. O uso prolongado de drogas, por exemplo, associados a momentos de entretenimento na constante busca de se ocupar e obter prazer → aumenta a linha de base de dopamina→ pode causar a sensação de nunca ter o suficiente. Outro exemplo seria, o indivíduo que só socializa quando consome bebida alcoólica e , depois que o prazer gerado nāo é mais o suficiente, pode inserir mais um fator como, beber e comer, depois beber, comer e fumar, etc. Lembrando que, todos esses comportamentos tem como base de motivação a busca de reestabelecer os níveis de prazer.
O que aumenta a liberação de dopamina:
- Chocolate aumenta dopamine em 1.5x acima da linha de base.
- Sexo (pre-liminares e o ato sexual ) aumenta dopamine em 2x acima da linha de base.
- Nicotina(quando por meio do fumar)aumenta dopamine em 2.5x acima da linha de base.
- Cocaína aumenta dopamine em 2.5x acima da linha de base.
- Anfetamina aumenta dopamine em 10x acima da linha de base.
Anfetamina and cocaína podem limitar a linha de base de dopamina e como consequência interferir no aprendizado e na neuro plasticidade após um longo período de uso. Conforme dito anteriormente, quanto maior o pico, maior a queda.
- Atividade física pode variar de acordo com o quanto você tem prazer em se exercitar — Se você gostar, isso pode aumentar dopamina em 2x acima da linha de base. Como consequência, aumenta a probabilidade de você repetir a atividade novamente.
Lembrando que as experiencias são subjetivas, portanto, o aumento de dopamina pode variar de acordo com o quanto o indivíduo as aprecia ( sexo, chocolate, nicotina, etc),.
Drogas e suplementos que aumentam a liberação de dopamina, tornam mais difícil sustentar a linha de base a longo prazo. Quanto mais alta a linha de base, mais difícil de atingir o pico dopaminérgico mais uma vez.
Por que nosso nível de dopamina oscila?
Conforme mencionado anteriormente, os níveis de dopamina devem baixar abaixo da linha base, como um mecanismo de sobrevivência que nosso corpo encontra para buscar mais, para manter a motivação e a busca. Se olharmos aos primatas, após conseguirem caçar algo para se alimentar e usufruir da aquisição (prazer), os níveis de dopamina caiam abaixo da linha de base gerando a necessidade de ir atrás de mais. Isso por si só já garantiu a sobrevivência da espécie que ao invés de se contentar e acomodar com uma única conquista, estavam sempre em busca de algo melhor.
Olhando para os dias de hoje, somos de maneira geral, seres insatisfeitos, sempre em busca de aprimoramento e conquistas. Quando uma pessoa se prepara para correr uma maratona por exemplo, todos os treinos, os preparos, o planejamento mental sobre a corrida libera por si só dopamina. O grande dia chega e após correr a maratona e a adrenalina baixar, o indivíduo pode apresentar baixos níveis de dopamina. Isso acontece pois sistema dopaminérgico trabalhou arduamente durante os meses de preparo e durante a prova por si só, e precisa de um tempo para estocar novamente dopamina. O mesmo raciocínio vai para a compra de uma casa, a ida a um show, uma viagem, o término dos estudos, etc.
Tendo em vista que agora entendemos como o sistema dopaminérgico se apresenta no cérebro humano, podemos ficar mais atentos aos sinais relacionados a motivação, prazer e dor. A seguir você encontrará algumas sugestões de como modular seus níveis de dopamina.
Como modular os níveis de Dopamina?
Dica 1: Modere suas expectativas.
O segredo é não buscar e criar expectativas muito altas em cima de determinada atividade.
Quando nós esperamos ansiosamente para que algo aconteça, nós ficamos altamente motivados a conseguir (p.ex. pessoas que apostam em jogos), e normalmente o quanto mais criamos a expectativa, também em aumentamos a chance de reduzir nosso nível dopaminérgico para abaixo da linha de base. Assim sendo, fique atento a linha tênue entre o que é motivação ou fixação.
Dica 2: Foque no processo ao invés de exclusivamente no resultado final.
Aprenda a aumentar a liberação de dopamina no processo do esforço ao invés de focar no resultado final. Estudos mostram que focar apenas na recompensa pode tornar o processo mais custoso e pode dar a sensação de durar muito. Isso acontece pois quando focamos no resultado final apenas, a constante oscilação de dopamina entre esforço e recompensa, pode ficar sobrecarregada e você pode se encontrar desmotivado a prosseguir com o objetivo traçado. Uma boa estratégia é traçar pequenos objetivos e marcos dentro do “grande objetivo”, do objetivo final. Ao comemorar e considerar os pequenos avanços, maiores as chances de você permanecer motivado no processo.
Dica 3: Exposição a baixas temperaturas
Exposição á temperaturas baixas pode aumentar a liberação de dopamina 2.5x acima da linha de base e pode ser prolongada por até 3h após a exposição. A exposição a baixas temperaturas pode ser por meio de um banho gelado, sair para uma caminhada sem blusa em um dia frio, por exemplo. Eu sei que pode nāo parecer muito atrativo e que você provavelmente já está pensando em pular para a próxima dica, mas te encorajo a tentar uma ducha gelada por 20 segundos. Depois observe como se sente. Normalmente a sensação de bem estar é imediata.
Dica 4: Faça uma agenda intermitente de atividades que te dão prazer
De um espaço para o cérebro recuperar seu equilíbrio em termos de níveis de dopamina. Essa simples ferramenta pode te ajudar a continuar engajado e com prazer em determinada atividade sem comprometer sua linha de base.
Por exemplo, se vc costuma ouvir música sempre que pratica exercícios, tente fazer 2x na semana em silêncio . Se você só vai para restaurantes na companhia de alguém, tente fazer isso sozinho de vez em quando. Se você consome chocolate diariamente, tente reduzir para dias específicos da semana. O simples fato de alternar disparadores de dopamina em determinadas atividades, pode ajudar seu cérebro a manter um ritmo dinâmico, impedindo uma indesejável dependência.
Dica 5: Evite consumir estimulantes antes de determinada atividade
Consumir estimulantes como café, medicamentos e pré treinos pode ativar seu sistema dopaminérgico antes mesmo da atividade começar. Seria como ter a liberação do prazer sem antes mesmo engajar em uma atividade. Além disso, ao associar um estimulante a determinada atividade, esse estimulante tende a perder o efeito a longo prazo. Lembrando que nosso corpo sempre tem como tendência encontrar o equilíbrio novamente, e para isso, se adequa as substâncias que são consumidas com frequência na tentativa de se adaptar, o que nem sempre é benéfico.
Um estudo recente sobre nossa habilidade de aprendizado indica que uma estratégia para aumentar a capacidade de aprendizado, é consumir bebidas estimulantes logo após o treino/ estudo. Isso ocorre pois, disparar adrenalina e dopamina subsequente ao aprendizado está diretamente vinculado ao quanto voce consolida o que aprendeu. Mas esse é um assunto para um proximo post.
Considerações finais:
Lembre-se que o cérebro humano é extremamente complexo e individual, e as informações desse post se basearam em estudos recentes que encontram um padrão nos sujeitos avaliados.
Sempre haverá uma queda nos níveis de dopamina após uma ascensão . Isso é inevitável.
Apesar do cérebro humano ainda ser objeto de estudo que precisa ser explorado e descoberto, você pode a partir desse post inserir pequenas mudanças que te ajudem a modular os níveis de dopamina e consequentemente impactar em sua motivação e prazer.
Dopamina esta diretamente relacionado ao estabelecimento e manutenção de hábitos. Portanto, se você quer mudar algo, preste atenção em como se sente e talvez descubra como seu sistema dopaminérgico está funcionando.
Apesar de sermos seres insatisfeitos em busca de prazer e crescimento, podemos nos contentar com o que já temos. Se olharmos pela ótica da psicologia positiva, vemos que pessoas que reconheceram suas conquistas, tendem a ser mais determinadas e persistentes para seu próximo objetivo.
Se esse conteúdo te interessou e você tem sugestões para próximos tópicos , me deixe saber.