Como a autocrítica pode te limitar

Júlia Maia
6 min readFeb 6, 2021

Nesse artigo quero pontuar como tenho observado e pontuado aos meus pacientes o quanto a autocrítica pode influenciar negativamente a vida das pessoas. Queixas relacionadas a ansiedade, baixa auto estima, depressão, déficit de atenção e tantos outros, tem como fator em comum a autopunição e autocrítica.

Como identificar se sou autocrítico?

Esse padrão de comportamento pode se manifestar de maneira clara ou de maneira sutil, por meio de sintomas. A compulsão alimentar por exemplo, embora tenha um prazer associado ao consumo do alimento, vem seguida de culpa e punições mentais com frases que menosprezam quem vivenciou o episódio. Alguns pacientes relatam dizer para si mesmo "Não acredito que voce fez isso de novo. Você realmente é muito descontrolado(a)" (sic). Ainda em outros cenários, após não ser bem sucedido em uma prova por exemplo, podem surgir pensamentos como: "eu sabia que não passaria, não estudei o tanto que deveria. Devo mesmo ter alguma limitação cognitiva. Por que eu ainda tento essas coisas? Deveria desistir de vez disso"(sic).

Além de pensamentos recorrentes, é possível ser autocrítico por meio de atos inconscientes com o objetivo de punir a si mesmo. Novamente, esses comportamentos podem aparecer por meio de abuso de substancias, vício em compras, comer excessivo, vício em redes sociais (o que inclui seguir pessoas que te lembrem o quão "miserável" você é).

Se você se identifica com algum exemplo citado acima, você provavelmente é auto critico consigo mesmo e então, recomendo que continue a leitura.

Auto criticismo e perfeccionismo

A maioria dos auto críticos não se arriscam com o medo de serem julgados tão duramente assim como eles mesmos já os fizeram. Com isso, não se colocam pois estão amedrontados e feridos. No entanto, essas punições são sutis e repetidas e, na maioria das vezes, ocorrem de maneira natural o que torna difícil identificá-las e mudá-las. O auto crítico também tende a ser perfeccionista e acredita que, se não for perfeito é melhor nem fazer. São pessoas que geralmente são mais intolerantes com suas próprias falhas, do que com as de outras pessoas.

O crivo de julgamento e avaliação de uma pessoa auto crítica passa a ser cada vez mais restrito e ao longo do tempo é tido como verdade, ainda que não hajam provas suficientes sobre isso. Esse fenômeno é chamado de confabulação.

Auto criticismo e confabulações

Confabulação é a história que contamos para nós mesmos por diversas vezes até que passamos a acreditar e assumi-la como verdade. Por exemplo, se após terminar uma aula você fique para esclarecer uma dúvida com um professor e, após cessar sua conversa ele você percebe que este respirou fundo, como se estivesse aliviado, você pode ir embora e facilmente pode iniciar o processo de confabulação. Você pode dizer para você mesmo frases como: “Esse professor deve me achar um chato. Bem que eu percebi que ele me olhava estranho quando fazia perguntas. Eu devo ser o estudante mais irritante que ele tem”, e por aí vai. No entanto, o motivo do suspiro do professor poderia estar atrelado a um outro fator, como por exemplo, ele ter se lembrado que não pagou a conta de luz conforme sua esposa havia pedido pela manhã. Ou seja, a única informação que temos até o momento, e que foi o gatilho para iniciar o processo de confabulação é o suspiro do professor.

Nosso cérebro trabalha muito bem com confabulações, pois ele busca explicações sobre histórias que nos acontecem, poupando assim, energia tentando adivinhar sempre como as relações se estabelecem. No entanto, em se tratando de perspectiva, muito se perde nesse processamento de informação. Uma pessoa que já tem tendência ao auto criticismo tende a usar a confabulação para justificar e alimentar suas próprias inseguranças, ou seja, a história que contamos para nós mesmos pode servir como uma arma contra nós mesmos.

Quebrando o ciclo da auto crítica

Você provavelmente já deve ter ouvido falar sobre auto compaixão e, embora tudo possa parecer muito idealizado e distante, pesquisas no campo tem indicado o poder da prática consistente de auto compaixão, como um delimitador de águas de uma pessoa que tende a se criticar. Tendo isso em vista, a auto compaixão é um bom antídoto para comportamentos conscientes ou inconscientes de auto crítica.

No livro “Auto compaixão: pare de se torturar e deixe a insegurança para trás” K.Neff (2017), a autora algumas reflexões sobre o tema, incluindo a facilidade que temos em projetar compaixão para fora em detrimento para dentro. Por exemplo, você provavelmente não diria nem mesmo para uma amiga próxima a seguinte frase: "Nossa, como você é burra. Você não aprende nunca?”, ou ainda coisas como, “ Nossa, vai tomar vergonha na cara e fazer uma dieta, você está enorme de gorda”. No entanto, poderíamos falar isso com naturalidade e até com certa frequência para nós mesmos. Esse ciclo precisa ser interrompido, pois é muito dolorido ouvir isso de nós mesmos, sem ninguém para nos defender.

Para interromper com o ciclo da auto crítica, sugiro que você siga algumas das dicas a seguir.

  1. Faça uma lista dos principais pensamentos auto críticos que vagueiam com frequência em sua cabeça. Tente compreender de onde surgiram essas crenças e desde quando você as tem repetido para você mesmo.
  2. Diferencie as expectativas dos outros das suas. Muitas vezes somos críticos demais pois acreditamos que esperam de nós algo. Por exemplo, muitas vezes buscamos o corpo ideal sem mesmo nos questionar se isso faz sentido para nós. Outros abrem mão de sonhos, pois acreditam que determinada profissão será mais bem reconhecida ou vista. Ao diferenciar o que é seu, do que é do outro, fica mais fácil decidir se a crítica é de fato válida ou não.
  3. Verifique o quanto a auto crítica te paralisa e te impede de prosseguir. Muitas vezes, pensamentos duros sobre nós mesmos funcionam como um ótimo mecanismo de auto sabotagem. Se nós mesmos dizemos que não somos capazes ou adequadas para fazer algo, por que sequer tentaríamos sair da zona de conforto. Escreva o que você faria diferente caso todas essas frases que você diz para você mesmo desaparecessem.
  4. Use post-its ao seu favor. Após identificar os principais gatilhos de pensamentos auto críticos, espalhe lembretes pela casa com frases gentis para você mesma. Faça também um potinho das conquistas, onde a cada dia, você registre coisas das quais se orgulha e faz bem. Sempre ao passar por esse pote, se lembrará que, apesar de ainda ter algumas falhas, há muito o que celebrar também.
  5. Seja paciente consigo. Entenda, ninguém nasce auto crítico ou auto compassivo, mas ao longo dos anos nos tornamos dessa forma, e naturalizamos esse modo de viver. Se você decidiu ser mais auto compassivo, entenda que o que foi construído em anos, não será totalmente desconstruído em dias. Seja paciente e acredite, você tem potencial e plasticidade cerebral suficiente para aprender novas habilidades.
  6. Escreva! A última dica parece simples, mas é muito potente. A escrita pode ser terapêutica pois nos permite olhar em perspectiva para nós mesmos. Encontre um regularidade que consiga cumprir, seja uma vez ao dia, por semana ou mesmo por mês, em que você registre o que está sentindo, como está se enxergando naquele período. Faça um check up com você mesma com regularidade.

Para terminar…

Já recebi questionamentos na clínica se a falta de auto crítica não poderia criar indivíduos acomodados, frágeis e "moles” demais, pois não haveria motivação nenhuma para melhorar. Essa ideia de que a gentileza pode ser um álibi para o comodismo é um grande tabu. Imagine só, quando você é criança e por acidente derruba um prato de vidro que quebra. Se a reação da mãe é de brigar e chamar a criança de desastrada e ainda mandá-la ao seu quarto, essa criança pode se sentir duplamente punida. O fato de ter quebrado o prato já é dura demais, para logo em seguida receber a reação negativa de sua mãe. Na vida adulta funciona da mesma forma. Vamos supor que você tenha estudado para uma prova arduamente, mas recebeu um resultado insatisfatório. A primeira frustração já é a do resultado da prova e, se você chegar em casa dizendo várias coisas para si mesmo como “Sabia que você não passaria. Você é muito burro mesmo, deveria desistir”, você está basicamente piorando o que já estava ruim. Ou seja, na tentativa de se sentir melhor, você se sente pior e como consequência, a probabilidade de voce voltar a estudar para essa prova novamente é bem baixa pois a experiência no geral foi bem negativa.

Em contra partida, estudos tem provado que a utilização ferramentas de auto compaixão aumentam a eficácia e produtividade em todos os grupos avaliados. Pessoas que praticam a auto compaixão após algum evento de frustração demonstraram mais resiliência e flexibilidade ao se adaptar ou até mesmo criar um novo cenário. Ou seja, ao sermos gentis conosco mesmos, reconhecendo nossa humanidade em falhar, nos tornaremos mais resilientes e adaptativos sempre que necessário.

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Written by Júlia Maia

Clinical Psychologist — Positive psychology and neuroscience

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